A paixão
pelas alturas estava no seu DNA, havia, naquela família, um ancestral que foi
considerado um dos maiores acrobatas do Brasil, especializado em - voar de
cabeça para baixo - e nisso, ela também se considerava uma expert...
só não sabia pilotar aviões (ainda). E, se tinha algo, da qual ela se
considerava entendida, era em fazer viagens, reais ou imaginárias.
Era uma
sonhadora, desejava que as paixões a levassem até às nuvens, por isso amava os
aviões, e também, quem compartilhasse com ela a mesma paixão.
Em razão
da sua condição social, sabia que nunca teria a possibilidade de chegar perto
de um avião, quanto mais realizar uma viagem em algum deles. Também não se
considerava suficientemente inteligente para namorar alguém que vestisse um
uniforme de cor azul, da aeronáutica, que ela achava tão atraente...
Enfim, no
mundo real, fazer parte do mundo azul dos apaixonados por aviões,
poderia até ser impossível, mas no mundo imaginário ela poderia sonhar com o
que quisesse, por isso, logo que conheceu a história do aviador-acrobata, que
voava invertido, passou a cantar a música de Raul Seixas: Sonho que se
sonha só...é só um sonho que se sonha só...Mas sonho que se sonha junto, é
realidade.
Na
juventude, apaixonou-se por alguém, que também era encantado por aviões. Ela
imaginava uma vida emocionante ao seu lado e isso incitou, ainda mais, o
seu interesse por aviões fazendo com que ela ignorasse completamente a sua
condição social inferior e idealizasse que poderia fazer parte do mundo
azul e viver mais próxima do céu.
Movida
pela curiosidade, conheceu uma Escola da Aeronáutica e inscreveu-se para lá
estudar. A fantasia de ingressar na Força Aérea não se realizou, porém
despertou-lhe novos interesses, uma vez descobertos, sabia que podia
realizá-los novamente, pois, havia conhecido o prazer de voar. E, se algo
impossível cruzara o seu caminho uma vez, o encontro poderia se repetir e ela
gostava de acreditar na possibilidade de realizar novas viagens (reais ou
imaginárias).
O seu primeiro
voo, num pequeno monomotor, aconteceu numa tarde ensolarada de sábado, quando
um piloto, amigo da sua tia, esteve na cidade para visitar a família e convidou
aquelas moças para um passeio, próximo do céu, para conhecer o seu novo meio de
transporte de trabalho. Nesse dia, sentiu mais medo do que prazer. O barulho
dentro da aeronave era ensurdecedor, e o acento pulava tanto, que ela pensou
que seria arremessada para fora do avião. Depois de uma hora, pousaram com
tranquilidade e a sensação, que ficou para ela, foi de alívio. Ufa!! Terra!!
O segundo
voo ocorreu de forma inusitada e inesperada. Ela conheceu, no trabalho, um
americano, que tinha negociado um Learjet para um coronel
reformado da Aeronáutica do Paraguai. Ele a convidou para ir até Assunção
entregar o jatinho. Ela não compreendia bem o que ele falava, seu inglês era
péssimo, entretanto disse que aceitaria viajar desde que um tradutor os
acompanhasse. O texano concordou explicando que estava à espera do despachante
aeronáutico, que viria de São Paulo, e seguiria viagem com eles. Ela então aceitou o convite e fez o seu primeiro voo internacional. Foi uma viagem rápida e
estupenda, na qual pode sentir a real potência de um avião. No jatinho, os
assentos eram confortáveis e não tremiam como no monomotor. Em compensação, em
razão da velocidade, sentiu um frio na barriga na hora da decolagem e um medão enorme
na hora do pouso, quando viu que o piloto taxiou o
brinquedinho só parando no último centímetro da pista, quase dentro d´água de
um rio, que existia no final do aeroclube.
Ela, inexperiente, achou que o pouso “não tinha” sido perfeito, depois,
entendeu que tinha ocorrido exatamente o contrário. Aquela manobra, ter freado
o jato, só no último momento, foi a forma que o piloto americano encontrou para
exibir as suas habilidades ao novo cliente. Se a ida para o Paraguai foi em voo
particular, a volta para o Brasil foi em voo comercial. Despediram-se no
aeroporto, ela retornou para casa, ele voltou para os EUA.
Ele ainda ligou algumas vezes para ela, mas a dificuldade do idioma não permitiu-lhe compreender quais eram as reais intenções daquele piloto, ou talvez, naquele momento, ela não tivesse coragem suficiente, para considerar àquela proposta como uma oportunidade de sair do país. Na última tentativa de contato, ele enviou-lhe, um cartão enorme, com umas palavras estranhas: San Valentino Day... ela ainda era muito jovem para saber que em alguns lugares do mundo, o dia dos namorados é comemorado no mês de fevereiro, enquanto que no Brasil é no mês de junho... Enfim, ela adorou o cartão que veio de Huston (Texas), era lindo, mas não compreendeu aquele I Love You... Depois dessa “mancada”, ela nunca mais ouviria falar dele.
Passou-se alguns
anos e ela conheceu um controlador de voo. Ficaram amigos e ela foi convidada
para fazer uma viagem junto com ele, para Brasília, de carona, num avião
Hércules da FAB, aquele foi um voo emocionante, que mostrou-lhe uma outra face
da aviação brasileira.
De
helicóptero, conheceu às Cataratas do Iguaçu, foi um voo panorâmico, com um
piloto experiente, chegava tão próximo das cascatas, que podia sentir-se a
garoa fina na face... um espetáculo inesquecível e maravilhoso!
Décadas se
passaram até que ela voltasse a sonhar, embarcar em novos voos, e ter novas
histórias para contar.
O Boeing que
cruzou o Atlântico para levá-la para a Europa, era enorme e assustador. O voo,
o primeiro num avião de grande porte, foi mais de conhecimento do que de
prazer, havia muito medo para ser racionalizado naquele trajeto que mudaria a
sua vida para sempre. Com o passar dos anos, quando queria voltar ao Brasil,
era esse tipo de avião que ela costumava usar, sendo resinificado apenas como
um meio de transporte necessário para diminuir a saudade da família.
Na Europa,
preferia viajar de trem, mas, às vezes, o avião ainda era o meio de transporte
mais rápido e barato, então utilizava-o para ir visitar outros países, como a
Inglaterra, por exemplo.
Ah!
lembrou-se que um dia, fez um voo da Itália para a França e emocionou-se ao ver
que estava embarcando num avião fabricado pela Embraer. Viver fora do Brasil,
tornara-a mais patriota!
E o que
aconteceu com a Amante da Aviação? A rotina ressignificou a sua paixão.
Agora, escrevendo, recordou-se que era uma garota pobre, criada sem pai, contudo,
com uma mãe corajosa, mas sem condições econômicas para andar num avião, então,
em meio a tantas dificuldades, como foi possível a ela ter realizado
incontáveis horas de voo?
A resposta
só podia ser uma, ela tinha, em seu DNA, resquícios de um acrobata, e ver o
mundo de cabeça para baixo ainda era a sua maior especialidade, afinal, ela
adorava voar, ou melhor, sonhar.
Link para conhecer a história do maior acrobata do Brasil:
Não se deixe levar pela distância
entre seus sonhos e a realidade.
Se você é capaz de sonhá-los,
também
pode realizá-los.
William Shakespeare
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